quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Richard Dawkins

richard dawkins
richard dawkins
A evolução é amplamente considerada como uma força progressiva impulsionando inexoravelmente uma melhoria racial que pode ser vista como oferecendo um pouco de esperança tangível para nossa espécie com problemas. Infelizmente este modo de pensar está baseado em dois enganos. Primeiro, não está de forma alguma claro que a evolução é necessariamente progressiva. Segundo, até mesmo quando ela é progressiva, mudança significativa procede em uma escala de tempo muitas ordens de magnitude maiores que a escala de dezenas ou centenas de anos com que os historiadores se sentem confortáveis.
Nós podemos definir progresso evolutivo seja dentro um modo ‘valor-carregado’ ou em um com valor-neutro — ie, com ou sem embutir noções do que é bom ou ruim. Uma definição com valor-carregado especifica se o fator sendo monitorado, seja tamanho do cérebro, inteligência, habilidade artística, força física ou o que for, é desejável ou indesejável. Se um fator desejável aumenta, isso é progresso. Mas em uma definição de valor-neutro, qualquer mudança conta como progresso contanto que continue em seu curso. Tal definição simplesmente toma três entidades em uma seqüência de tempo — pense nelas como uma série de fósseis ancestrais e chame-as de Antes, Durante e Depois [Early, Middle and Late] — e pergunta se a mudança de Antes para Durante está na mesma direção que a mudança de Durante para Depois. Se a resposta for sim, isso é uma mudança progressiva. Esta definição é valor-neutra porque o fator que nós descobrimos ser "progressivo" pode ser algo que nós consideramos como ruim — digamos, ócio ou estupidez. Neste senso de valor-neutro, uma tendência continuada para um tamanho de cérebro diminuído seria progressiva, da mesma maneira que uma tendência para um tamanho de cérebro aumentado seria. A única coisa que não seria progressiva seria uma reversão da tendência.
Já foi moda para biólogos acreditar em algo chamado ortogênese. Esta era a teoria de que tendências em evolução constituem uma força motriz e continuam sob seu próprio impulso. Pensava-se que o alce irlandês tinha sido levado à extinção por seus chifres enormes, que por sua vez pensava-se que tinham crescido maiores sob influência de uma força ortogenética. Talvez inicialmente houvesse um pouco de vantagem em chifres maiores e foi assim que a tendência começou. Mas uma vez iniciada, a tendência tinha sua própria inércia interna e, com o passar das gerações, os chifres continuaram crescendo inexoravelmente até que levaram a espécie à extinção.
Nós pensamos agora que a teoria de ortogênese está errada. Se uma tendência é notada para um tamanho de chifre crescente, isto ocorre porque a seleção natural favorece chifres maiores. Veados individuais com chifres grandes têm mais descendência que veados com chifres de tamanho médio, seja porque eles sobrevivem melhor (improvável) ou atraem fêmeas (provavelmente irrelevante) ou porque eles são melhores em intimidar rivais (provável). Se a tendência parecer persistir por muito tempo no registro fóssil, isto indica que a seleção natural estava impulsionando naquela direção por todo aquele tempo. Metáforas como "força inerente" e "impulso inexorável" não têm nenhuma validez.
Parece se seguir que não há nenhuma razão geral para esperar que evolução seja progressiva — até mesmo no senso fraco, de valor-neutro. Haverá tempos em que o aumento de tamanho de algum órgão é favorecido e outros tempos quando um tamanho menor o é. Na maior parte do tempo, os indivíduos de tamanho médio serão favorecidos na população e ambos extremos serão penalizados. Durante estas épocas a população exibe estase evolutiva (ie, nenhuma mudança) com respeito ao fator sendo medido. Se nós tivéssemos um registro fóssil completo e procurássemos tendências em alguma dimensão particular, como comprimento de pernas, nós esperaríamos ver períodos de nenhuma mudança alternando-se com continuações espasmódicas ou reversões em direção — como uma biruta ao vento em um tempo tempestuoso.
É ainda mais intrigante descobrir que às vezes tendências longas e progressivas em uma direção de fato ocorrem. Quando um órgão é usado para intimidação (como os chifres de um veado) ou para atração (como o rabo do pavão), pode ser que o melhor tamanho a possuir — do ponto de vista de intimidação ou atração — sempre é ligeiramente maior que a média na população. Até mesmo quando a média se torna maior, o ótimo sempre é estar um passo à frente. É possível que tal "seleção com ponto-final em movimento" realmente tenha levado o alce irlandês à extinção: ao levar o "ponto ótimo de intimidação" muito à frente do que teria sido o "ponto utilitário ótimo" global. Pavões e pássaros do paraíso machos também parecem ter sido impulsionados, neste caso através da seleção do gosto feminino, para longe do ponto utilitário ótimo de um vôo eficiente e maquinaria de sobrevivência (entretanto eles não foram levados além do precipício rumo à extinção).
Outra força conduzindo a evolução progressiva é a chamada "corrida braço-a-braço" [arms-race]. Presas evoluem velocidades de corrida mais rápidas do que as de predadores. Por conseguinte predadores têm que evoluir velocidades de corrida ainda mais rápidas, e assim por diante, em uma espiral ascendente. Tal competição provavelmente responde pela engenharia espetacularmente avançada de olhos, orelhas, cérebros, "radares" de morcegos e todos outros armamentos de alta tecnologia que animais exibem. Corridas braço-a-braço são um caso especial de "co-evolução". Co-evolução acontece sempre que o ambiente no qual as criaturas evoluem está em si evoluindo. Do ponto de vista de um antílope, leões fazem parte do ambiente assim como o clima — com a diferença importante de que leões evoluem.
Progresso virtual
Eu quero sugerir um tipo novo de co-evolução que, acredito, pode ter sido responsável por um dos exemplos mais espetaculares de evolução progressiva: o aumento do cérebro humano. Em algum ponto na evolução de cérebros eles adquiriram a habilidade para simular modelos do mundo externo. Em suas formas avançadas nós chamamos esta habilidade de "imaginação". Pode ser comparada ao software de realidade virtual que roda em alguns computadores. Agora aqui está o ponto que eu quero fazer. O "mundo virtual" interno no qual os animais vivem pode em efeito se tornar uma parte do ambiente, de importância comparável ao clima, vegetação, predadores e assim por diante. Nesse caso, uma espiral co-evolutiva pode decolar, com hardware — especialmente hardware cerebral — evoluindo para se ajustar a melhorias no "ambiente virtual" interno. As mudanças em hardware estimulam então melhorias no ambiente virtual, e a espiral continua.
É provável que a espiral progressiva avance até mais rapidamente se o ambiente virtual é reunido como um empreendimento compartilhado que envolve muitos indivíduos. E é provável que alcance velocidades alucinantes se puder se acumular progressivamente com as gerações. A linguagem e outros aspectos da cultura humana fornecem um mecanismo por meio do qual tal acumulação pode acontecer. Pode ser que o hardware cerebral co-evoluiu com os mundos virtuais internos que ele cria. Isto pode ser chamado co-evolução de hardware-software. A linguagem poderia ser tanto um veículo desta co-evolução como seu produto de software mais espetacular. Nós não sabemos quase nada de como a linguagem se originou, uma vez que começou a se fossilizar apenas muit
o recentemente na forma da escrita. O hardware tem sido fossilizado há mais tempo — pelo menos a cobertura óssea exterior do cérebro o tem feito. Seu tamanho continuamente crescente, indicando um aumento correspondente no tamanho do próprio cérebro, é a que eu quero me dirigir a seguir.
É quase certo que o Homo sapiens moderno (que data de apenas aproximadamente 100.000 anos atrás) descende de uma espécie semelhante, o H. erectus, que surgiu primeiro pouco antes de 1.6m de anos atrás. Pensa-se que o H. erectus por sua vez descendeu de alguma forma de Australopithecus. Um possível candidato que viveu aproximadamente 3m anos atrás é o Australopithecus afarensis, representado pela famosa "Lucy". Estas criaturas, que são descritas freqüentemente como macacos que andam eretos, possuíam cérebros quase com o tamanho de um chimpanzé. A Figura 1 na próxima página mostra imagens dos três crânios, em ordem cronológica. Presumivelmente a mudança de Australopithecus para erectus foi gradual. Isto não quer dizer que levou 1.5m anos para se realizar a uma taxa uniforme. Poderia ter acontecido facilmente em paradas e começos. O mesmo se aplica na mudança de erectus para sapiens. Há aproximadamente 300.000 anos atrás, começamos a encontrar fósseis que são chamados "H. sapiens arcaico", pessoas com cérebros-grandes como nós, mas com a parte inferior da testa rústica mais como a do H. erectus.
Parece, de um modo geral, como se houvesse algumas mudanças progressivas ocorrendo através desta série. Nossa cavidade cerebral tem quase o dobro do tamanho da cavidade do erectus; e a cavidade cerebral do erectus, por sua vez, tem quase o dobro do tamanho da cavidade do Australopithecus afarensis. Esta impressão é ilustrada vividamente na próxima imagem, que foi preparada usando um programa chamado Morph*.
Para usar o Morph, você fornece a ele uma imagem de início e uma de fim, e diz quais pontos na imagem de início correspondem a quais números de pontos opostos na imagem final. O Morph computa então uma série de intermediários matemáticos entre as duas imagens. As séries podem ser vistas como um filme de cinema na tela do computador, mas para imprimir isto é necessário extrair uma série de quadros — organizados aqui em ordem em uma espiral (figura 2). A espiral inclui duas sucessões concatenadas: Australopithecus para H. erectus e H. erectus para H. sapiens. Convenientemente os dois intervalos de tempo que separam estes três fósseis de referência são aproximadamente os mesmos, aproximadamente 1.5m anos. Os três crânios de referência rotulados constituem os dados fornecidos ao Morph. Todos os outros são os intermediários computados (ignore o H. futuris no momento).
Gire seu olho pela espiral procurando por tendências. É geralmente verdade que qualquer tendência que você encontre antes do H. erectus continua depois dele. A versão de filme mostra isto muito mais dramaticamente, tanto de forma que é difícil, enquanto você assiste o filme, descobrir alguma descontinuidade enquanto você passa pelo H. erectus. Nós fizemos filmes semelhantes para várias transições evolutivas prováveis na ascendência humana. Freqüentemente, tendências mostram reversões de direção. A continuidade relativamente suave perto do H. erectus é bastante incomum.
Nós podemos dizer que houve uma tendência longa, progressiva — e por padrões evolutivos muito rápida — durante os últimos 3m anos de evolução do crânio humano. Eu estou falando de progresso no sentido de valor-neutro aqui. Como acontece, qualquer pessoa que pense que tamanho de cérebro aumentado tem valor positivo também pode alegar esta tendência como progresso com valor-carregado. Isto é porque a tendência dominante, fluindo tanto antes quanto depois do H. erectus, é o aumento espetacular do cérebro.
E sobre o futuro? Podemos extrapolar a tendência do H. erectus através e além do H. sapiens e assim predizer a forma de crânio do H. futuris 3m de anos à frente? Só um ortogeneticista levaria isto a sério; mas, pelo que vale, nós fizemos uma extrapolação com a ajuda do Morph, e está ao término do diagrama em espiral. Ela mostra uma continuação da tendência para aumento da cavidade cerebral; o queixo continua avançando e fica angular em um pequeno ponto de cavanhaque enquanto a própria mandíbula parece muito pequena para mastigar qualquer coisa além de papinha de bebê. Realmente o crânio inteiro é bastante reminiscente ao crânio de um bebê. Foi sugerido há muito tempo que a evolução humana seja um exemplo de "pedomorfose": a retenção de características juvenis na maioridade. O crânio humano adulto se parece mais com o de um chimpanzé bebê que com o de um chimpanzé adulto.
Não conte com o H. futuris
Há alguma probabilidade de que algo como este hipotético H. futuris de cérebro grande irá evoluir? Eu colocaria muito pouco dinheiro nisto, seja de uma forma ou de outra. Certamente o mero fato de que a inflação de cérebro foi a tendência dominante durante os últimos 3m anos não diz quase nada sobre as tendências prováveis dentro dos próximos 3m. Cérebros continuarão a aumentar apenas se a seleção natural continuar a favorecer indivíduos com cérebros grandes. Isto significa, quando você vai ao cerne disto, se indivíduos com cérebros grandes conseguirem ter em média mais crianças que pessoas com cérebros pequenos.
Não é irracional assumir que cérebros grandes acompanham inteligência, e que a inteligência em nossos antepassados selvagens era associada com habilidade para sobreviver, habilidade para atrair companheiros ou habilidade para superar os rivais. Não é irracional — mas estas duas cláusulas encontrariam seus críticos. É um artigo de fé apaixonado entre os biólogos e antropólogos "politicamente corretos" de que o tamanho do cérebro não tem nenhuma conexão com a inteligência; que a inteligência não tem nada a ver com genes; e que genes são de qualquer maneira coisas fascistas e detestáveis.
Deixando isto de lado, problemas com a idéia permanecem. Nos dias em que a maioria dos indivíduos morria jovem, a qualificação principal para reprodução era sobrevivência até a maioridade. Mas em nossa civilização ocidental poucos morrem jovens, a maioria dos adultos escolhem ter menos crianças que são física e economicamente capazes de possuir, e não está de forma alguma claro que as pessoas com famílias maiores são as mais inteligentes. Qualquer pessoa vendo a evolução humana futura da perspectiva da civilização ocidental avançada dificilmente fará predições confiantes sobre o tamanho do cérebro continuar evoluindo.
Em todo caso, todos estes modos de ver o assunto são extremamente a curto prazo. Fenômenos socialmente importantes como contracepção e educação exercem suas influências sobre a escala de tempo de historiadores humanos, durante décadas e séculos. Tendências evolutivas — pelo menos aquelas que duram o bastante para merecer o título de progressivas — são tão lentas que são totalmente insensíveis aos caprichos de reunião social e tempo histórico. Se nós pudéssemos assumir que algo como nossa civilização científica avançada iria durar 1m, ou até mesmo 100,000 anos, poderia valer a pena pensar nas subcorrentes de pressão da seleção natural nestas condições civilizadas. Mas a probabilidade é que, em 100,000 anos, nós ou teremos revertido ao barbarismo selvagem, ou então a civilização terá avançado além de qualquer reconhecimento — em colônias no espaço exterior, por exemplo. Em qualquer caso é provável que extrapolações evolutivas de condições presentes sejam altamente enganadoras.
Evolucionistas são normalmente bem modestos sobre predizer o futuro. Nossa espécie é uma particularmente difícil de predizer porque a cultura humana, pelo menos durante os últimos milhares anos e acelerando todo o tempo, muda de mod
os que imitam a mudança evolutiva só que de milhares a centenas de milhares de vezes mais rapidamente. Isto é visto claramente quando nós olhamos para o hardware técnico, as ferramentas. É quase um clichê apontar que o veículo com rodas, o aeroplano e o computador eletrônico, para não dizer nada de exemplos mais frívolos como modas de vestir, evoluem de forma notavelmente reminiscente à evolução biológica. Minhas definições formais de progresso com valor-carregado e valor-neutro, embora projetadas para fósseis, podem ser aplicadas sem modificação para tendências culturais e tecnológicas.
Comprimentos de saia e cabelo prevalecentes na sociedade ocidental são progressivos — de forma neutra em relação ao valor, porque são muito triviais para ser qualquer outra coisa — para períodos curtos. Vistos na escala de tempo de décadas, os comprimentos comuns aumentam e diminuem como ioiôs. Armas melhoram (para o que elas são projetadas para fazer, o que pode ser de valor positivo ou negativo dependendo de seu ponto de vista) constante e progressivamente, pelo menos em parte para contrabalançar melhorias no armamento de inimigos. Mas principalmente, como qualquer outra tecnologia, elas melhoram porque invenções novas se somam às anteriores e inventores em qualquer época se beneficiam das idéias, esforços e experiência de seus antecessores. Este princípio é mais espetacularmente manifestado pela evolução do computador digital. O falecido Christopher Evans, psicólogo e autor, calculou que se o motor de carro tivesse evoluído tão rápido quanto o computador e sobre o mesmo período de tempo, "Hoje você poderia comprar um Rolls-Royce por 35 centavos, faria três milhões de milhas por galão e ele forneceria bastante força para dirigir o QE2. E se você estivesse interessado em miniaturização, você poderia colocar meia dúzia deles em uma cabeça de alfinete".
A ciência e a tecnologia que ela inspira podem, é claro, serem usadas para fins negativos. Tendências continuadas em, digamos, aeroplanos ou velocidade de computador são indubitavelmente progressivas em um senso de valor-neutro. Seria fácil de vê-las também como progressivas em vários sentidos de valor-carregado. Mas tal progresso também poderia se mostrar ser carregado com valor profundamente negativo se as tecnologias caírem nas mãos de, digamos, fundamentalistas religiosos inclinados à destruição de seitas rivais que encaram um ponto diferente da bússola para rezar, ou algum hábito igualmente insofrível. Muito pode depender em se as sociedades com a experiência científica e os valores civilizados necessários para desenvolver as tecnologias mantenham controle delas; ou se elas permitirem que se espalhem a sociedades educacional e cientificamente atrasadas que simplesmente têm o dinheiro para comprá-las.
Os progressos científico e tecnológico são de valor-neutro. Eles são simplesmente muito bons em fazer o que fazem. Se você quiser fazer coisas egoístas, gananciosas, intolerantes e violentas, a tecnologia científica lhe proporcionará sem dúvida o modo mais eficiente de fazê-las. Mas se você quiser fazer bem, resolver os problemas do mundo, progredir no melhor senso de valor-carregado, uma vez mais, não há nenhum meio melhor a esses fins que o modo científico. Para o bem ou mal, espero que o conhecimento científico e a invenção técnica se desenvolva progressivamente durante os próximos 150 anos, e a uma taxa acelerada

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